1 de setembro de 2021Tempo de leitura: 5 minutos
“Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido. É por tuas palavras que serás justificado ou condenado”. (Mt 12,36-37).
Há um terrível hábito que se aprova sorrateiramente entre os cristãos que é o da fofoca socialmente aceita ou aparentemente inofensiva. É o costume revestido de uma capa de virtude, de ficar bisbilhotando e comentar a alguém os defeitos, os erros, os segredos, os acontecimentos da vida de outra pessoa.
Na maior parte das vezes muitas dessas informações vêm da desordem do gosto e da avidez em querer saber da vida do outro e de querer se sentir melhor falando algo complicado do próximo. E tudo isso une-se ao impulso da verborragia e da tagarelice.
Infelizmente muitas vezes esses comentários estão repletos de meias verdades. A pessoa ouve só um lado da história e já sai tirando a conclusão errada e contando a outra pessoa. Costuma-se aumentar a informação, exagera-se e em questão de pouquíssimo tempo pessoas inocentes acabam vítimas da irresponsabilidade de outras.
“Uma grande floresta pode ser incendiada por uma pequena fagulha. Também a língua é um fogo, um mundo de iniquidade. A língua está entre as partes do nosso corpo e contamina o corpo inteiro; e, inflamada pelo inferno, incendeia todo o curso da nossa vida” (Tg 3,6).
Com grande facilidade, quase sem perceber nem pensar, nos envolvemos em fofocas, conversas fiadas, mentiras, exageros, ataques venenosos e observações sem caridade. Com a língua, podemos espalhar o ódio, incitar os outros ao medo e à malícia, espalhar a desinformação, atiçar a revolta e a tentação, desencorajar, ensinar o erro e arruinar reputações. Não há dúvida de que podemos causar grandes estragos por meio do dom da palavra, com o qual poderíamos fazer tanto bem!
O diabo é a grande fofoca. Ele sempre está dizendo coisas ruins dos outros porque ele é o mentiroso que quer dividir a Igreja. Se algo dá errado, ofereça seu silêncio e suas orações ao irmão ou à irmã que cometeu um erro, mas nunca fofoque. (Papa Francisco)
Geralmente, a fofoca é sobre falar de alguém de modo injusto. Ela envolve conversas inapropriadas e sem caridade sobre pessoas que não estão presentes. Além do mais, a fofoca quase sempre acrescenta erros e variações na informação que é transmitida.
Eu gosto de dizer que fofocar não é somente pecado, mas é também terrorismo, porque quem fofoca joga uma bomba na fama do outro, destrói o outro que não pode se defender. Sempre se fofoca na escuridão, não na luz. A escuridão é o reino do diabo. A luz é o Reino de Jesus”, frisou o Papa na Audiência de 17 de setembro de 2015
No site do Padre Paulo encontramos um excelente artigo que explica tecnicamente sobre a fofoca:
“A “fofoca”, em termos técnicos, abrange dois pecados: o da maledicência e o da murmuração.
O primeiro, a maledicência, consiste em revelar os pecados e defeitos de outrem para ferir a sua fama. Pode até ser que o que se fala a respeito do próximo não seja inventado – o que seria uma calúnia –, mas, ainda assim, trata-se de um pecado grave. Ensina Santo Tomás de Aquino que “privar a outrem de sua reputação é muito grave, porque a reputação é o mais precioso entre os bens temporais e, com a sua falta, o homem se acha na impossibilidade de praticar muitos bens” . Diz, ainda, o Catecismo da Igreja Católica que “a maledicência e a calúnia ferem as virtudes da justiça e da caridade” . Por isso, ainda que as pessoas cometam erros e faltas, importa que os cubramos com um véu de caridade, assim como os filhos de Noé cobriram a nudez de seu pai, no Antigo Testamento (cf. Gn 9, 23).
É lícito, quando se tem uma grave razão, revelar as faltas de alguém. É o caso dos políticos, que se submetem à apreciação pública, quando o que fazem afeta o bem comum ou compromete o desempenho do cargo que exercem ou virão a exercer.
O segundo, a murmuração, consiste em revelar os pecados e defeitos de outrem para destruir uma amizade. Por esse fim, Santo Tomás ensina que a murmuração é muito pior que a maledicência, posto que a amizade é um bem muito maior que a boa fama: “Um amigo é o mais precioso entre os bens exteriores” . Aqui, novamente, a menos que haja uma razão para salvar o próximo dos malefícios praticados por outrem, está a se falar de um pecado grave.”
Quantas vezes nos pegamos em situações assim onde alguém vem nos comentar um fato parcial sobre o Papa, alguma fofoca eclesial sobre o bispo, algum escândalo de um padre, mil e um prints de conversas de alguém no WhatsApp, áudios e mensagens encaminhadas. Um constante: “Você viu o que fulano fez? O que ciclano postou?” Uma sucessiva onda de acompanhar as últimas polêmicas e tretas virtuais. De bisbilhotar a vida das pessoas para fazer comentários maldosos ou mesmo para simplesmente para “ter assunto” com alguém. De revelar conversas em família para a parentada, de comentar erros entre os colegas de trabalho, de revelar nas homilias “anonimamente” os pecados de confissões dos paroquianos, de contar aos amigos sobre as vidas de outros, contar sobre os casos de aconselhamento a qualquer um..
Inclusive, saiu uma nova decisão judicial que a divulgação de print de conversas do WhatsApp sem consentimento dos participantes do diálogo ou ordem judicial pode gerar indenização caso seja considerado como dano moral. Você pode saber mais sobre isso neste link.
A verdade é que bastaria o bom senso ético e cristão para saber que compartilhar conversas virtuais é ferir a confidência, a intimidade, a confiança. É faltar com a caridade, com a discrição, com a prudência.
“Jesus era prático, falava sempre com exemplos para se fazer compreender, pondo em confronto a Lei antiga e o que Ele nos diz. Começa pelo quinto mandamento do decálogo: «Ouvistes que foi dito aos antigos: “Não matarás”… Eu, porém, vos digo que qualquer um que, sem motivo, se encolerizar contra o seu irmão, será réu de juízo» (vv. 21-22). Com isto, Jesus recorda-nos que também as palavras podem matar! Quando se diz que uma pessoa tem língua de serpente, o que significa? Que as suas palavras matam! Portanto, não só não se deve atentar contra a vida do próximo, mas nem sequer fazer cair sobre ele o veneno da ira e da calúnia. Nem sequer falar mal dele. Chegamos às indiscrições: também os mexericos podem matar, porque matam a reputação das pessoas! É tão feio falar mal! No início pode parecer uma coisa agradável, até divertida, como comer um rebuçado. Mas no final, enche-nos o coração de amargura, e envenena também a nós. Digo-vos a verdade, estou certo de que se cada um de nós fizesse o propósito de evitar os mexericos, tornar-se-ia santo! É um bom caminho! Queremos tornar-nos santos? Sim ou não? [Praça: Sim!] Queremos viver apegados aos mexericos como costume? Sim ou não? [Praça: Não!] Então estamos de acordo: nada de indiscrições! A quem o segue, Jesus propõe a perfeição do amor: um amor cuja única medida é não ter medida, ir além de qualquer cálculo. O amor ao próximo é uma atitude tão fundamental que Jesus chega a afirmar que a nossa relação com Deus não pode ser sincera se não quisermos fazer as pazes com o próximo.” (Papa Francisco, Angelus 9 de fevereiro de 2014)
Nem todo comentário é uma fofoca. As vezes precisaremos comentar algo para proteger uma pessoa de um dano, ou para ajudar alguém que está com problemas, ou em outras situações.
Por isso o mais importante é analisar a intenção e as consequências dos nossos comentários. O que irei comentar será para edificar o próximo, será para ajudar alguém? Mesmo se for para isso, será que o que comentarei não acabará gerando mais prejuízo do que ajuda? Será que falo com pessoas realmente de confiança? Será que o ambiente em que falo está propício? Será que falo por um desejo sutil de falar mal dos outros, de ver se dando mal, de me sentir melhor e superior? Será que falo por uma vontade de discutir, de provar meus argumentos, de me vingar, de atingir alguém ainda que sutilmente? Enfim, temos de ir ao fundo de nossas intenções para ver se elas são realmente boas e se nossos comentários farão o bem. Infelizmente por causa de fofocas e comentários até mesmo bem intencionados não raras vezes matrimônios são prejudicados, reputações, trabalhos, saúde, relações entre amigos e familiares e diversas outras coisas.
Peçamos ao Espírito Santo a graça de nos purificar e nos livrar deste mal. E cooperemos com a graça fazendo o propósito de pensar e fazer o bem ao próximo.
Para mais informações:
5 modalidades da fofoca – https://pt.aleteia.org/2017/07/20/5-modalidades-da-fofoca-o-pecado-da-palavra/amp/
As fofocas são criminosas – https://noticias.cancaonova.com/especiais/pontificado/francisco/as-fofocas-sao-criminosas-pois-matam-deus-e-o-proximo-diz-papa/
Conselhos para deter a fofoca – https://www.acidigital.com/noticias/10-conselhos-para-deter-a-fofoca-recomendados-por-um-sacerdote-68239