“Jesus veio, pôs-se no meio deles…”
(Jo 20,19)
“Na tarde desse mesmo dia, que era o primeiro da semana, estando as portas da casa em que se achavam os discípulos trancadas por medo dos judeus, Jesus veio, pôs-se no meio deles e lhes disse: ‘A paz esteja convosco’” (Jo 20,19).
Caro irmão, querida irmã, a paz.
Cristo, Deus feito homem, o Crucificado por amor de nós, ressuscitou verdadeiramente e está vivo para sempre (ler Lc 24,34; Ap 1,18-19)! Ele, o Filho de Deus vivo, tendo assumido a nossa humanidade em sua divina pessoa, venceu a nossa morte, pagando a dívida do pecado que pesava sobre nós. Ele, em sua entrega obediente e generosa ao Pai por amor de nós, venceu o Mal, que, assim, perdeu qualquer direito sobre nós (ler 1Pd 1,18-21). Essa salvação que Jesus trouxe está em curso no tempo e disponível para cada pessoa humana que, alcançada por Ele, a Ele se abre pela fé e pelo amor. Cristo Crucificado e Ressuscitado, o nosso Deus e Senhor (ler João 20,26-29; Ap 3,20-22), é a causa de nossa esperança e alegria (ler Rm 5,1-5)!
Jesus veio, pôs-se no meio deles…
O dom da salvação e do amor de Deus é uma realidade que se apresenta misteriosamente a cada ser vivente, para ser livremente acolhida… ou não. Jesus continua vindo ao nosso encontro e põe-se em nosso meio para oferecer-nos a Sua paz. A Sua graça vence o fechamento do medo, o terror da morte e o veneno do pecado.
Jesus veio, pôs-se no meio deles…
Jesus Ressuscitado vem a nós, permanece no meio de nós para caminhar conosco e nos fazer abrir nossas portas trancadas para vencermos o medo e assumirmos a vida (ler Lc 24,13-35)! A tentação é nos fecharmos em nossos medos ou confortos e não enfrentarmos os desafios e as lutas que nos esperam. Sim, pois a vida neste mundo é caminho a percorrer, é trabalho, é “vale de lágrimas” e suor (ler João 5,17; Fl 2,12b). Há sim alguns oásis no meio da travessia do nosso deserto, para tempos de descanso e restauração, e até tempos de festa e de contentamento. Mas a vida neste mundo é, sobretudo, luta (ler Jó 7,1). É bom e necessário dar-nos conta dessa verdade. É urgente sair da ilusão de pensar que as dificuldades e as dores são um defeito da vida. Não! Doenças, fracassos, quedas, tudo isso não são defeitos da vida, mas são a própria vida que se apresenta a nós como dom e desafio, clamando por nossa resposta, nossas atitudes, nossa luta. Encarar e assumir essa verdade torna nossa vida mais simples, mais pronta para os combates e até mais feliz, porque livre dos fatalismos e aberta à verdadeira dignidade humana que se realiza na responsabilidade.
Em cada ocasião, a vida se oferece como um dom e oportunidade para crescer, aprender e escolher quem a gente quer ser: bons ou maus, fieis ou desleais, filhos da luz ou filhos das trevas (ler 1Ts 5,1-11). Sim, como gente de fé, não esquecemos a meta para a qual fomos criados e chamados (ler Fl 3,13-14; 1João 2,25). Assim, a nossa vida se apresenta como luta contra tudo o que nos distrai, nos ilude e atrapalha que cheguemos lá, ao lugar que o Filho de Deus, o Primeiro entre nós homens a entrar na Morada do Pai, nos preparou, o nosso lugar, o lugar dos filhos de Deus (ler João 14,1-3; Mt 25,34-35). Sobretudo, a vida é luta em favor de algo grande (ler 1Cor 2,9), de uma “coroa imperecível” (ler 1Cor 9,24-25), em favor de um dom imenso, de uma Vida que vale mais do que a nossa existência neste mundo (ler Mc 8,35-37; Sl 63/62,4).
Jesus veio, pôs-se no meio deles…
A ressurreição de Jesus nos mostra que fomos criados para uma vida imortal, a vida n’Ele. Mas, se nos faltam a fé e a esperança dessa vida eterna – o “outro mundo” de que falou a Virgem Maria para Bernadette Soubirous em Lourdes -, nossa mente cria projeções, fantasias de um mundo perfeito aqui, para dar conta daquela sede de eternidade que habita o nosso coração. E ideologias nefastas se utilizam disso para manipular as gentes. Há tantos que se deixam enganar por utopias de um paraíso na terra, um reino de paz garantida e felicidade sem fim aqui. Essa é uma visão infantilizada, que não se sustenta quando confrontada de modo honesto com a realidade. Vivendo no tempo, somos irremediavelmente marcados pela transitoriedade, pela precariedade do mundo material, que envelhece, se deteriora, adoece e acaba… Sim, somos finitos aqui, nossa saúde é finita, nosso conhecimento é finito, nossa liberdade é finita, nossa alegria é finita aqui. Se não encaramos essa verdade, toda situação que nos contraria é facilmente compreendida como um castigo de Deus, uma injustiça ou uma desgraça da qual somos meras vítimas. E aí o famigerado e vergonhoso vitimismo destes tempos!
A vida é luta, é desafio, e se compõe também de momentos de dor, como essa pandemia que estamos vivendo agora. Pensar que este tempo difícil é um defeito, uma desgraça ou um erro da vida leva a gente até duvidar de Deus e de seu amor. O que todos
estamos vivendo é a vida em seus limites naturais. Mas esses limites apresentam o cenário humano para o verdadeiro drama que estamos vivendo: muitos agora estão se abrindo para a graça de uma iluminação, para ver o que realmente importa e escolher o que é bom, justo e verdadeiro (esses são os frutos da luz! – ler Ef 5,8-16); outros entre nós continuam em seus
fechamentos, isolados já desde antes, não por causa do vírus, mas por causa do egoísmo, da soberba e corrupta indiferença diante da bondade, da justiça e da verdade, por causa do distanciamento para com Deus e para com o próximo – essas são, de fato, a mais mortal doença e causa da mais profunda tristeza.
Jesus veio, pôs-se no meio deles…
A vida é boa e é luta! Não lutamos sozinhos, nem apenas com nossas poucas forças. Jesus caminha no meio de nós, luta conosco e por nós (ler Rm 8,31-39). Ele nos comunica seus dons, seu Espírito; ele nos oferece seu Corpo e Sangue como alimento e sua Palavra viva para permanecer em nós (ler João 6,51-57; 14,23; 15,7-10), e fazer que vivamos n’Ele, participando de sua vida, de sua graça, de sua luz, de sua força, de sua alegria, de seu amor. Ele é, ao mesmo tempo, o remédio e o Médico Divino. Ele vence nossos fechamentos e isolamentos, vence nossos medos, nossas doenças e nossa morte. Como Ele é bom! E
sermos Igreja é o verdadeiro presente de Páscoa que Ele nos deixou. Não estamos sozinhos: Ele está no meio de nós!
Prossigamos! O Amor de Cristo nos uniu!
Em Cristo, pe. júlio.